Bens históricos Central do Brasil
O desafio de intervir com justeza e modernidade neste edifício de importância ímpar, no que respeita à sua relevância no cenário da arquitetura carioca, mas também no significado muito para além daquele expresso pela materialidade da obra física. O significado único na memória coletiva dos cariocas, dos brasileiros, e além fronteiras, eternizado em película que projetou o nome do país no exterior.
Marco altimétrico, ícone da Cidade do Rio de Janeiro, a Estação ela própria, palco de idas e vindas cotidianas, despedidas e reencontros não tão cotidianos assim, torre a despontar por entre outras a se destacar, a nos orientar, a quem podemos por “intimidade” adquirida chamar carinhosamente de apenas “Central”, porque está tudo dito e entendido. Porque não indiferentemente assim a chamamos, segue sendo o nosso “Centro” referência de onde partimos, de onde a Cidade partiu, para se fazer maior, mas para onde sabemos que podemos voltar.
Oportunidade preciosa esta de registrar um novo tempo, o tempo atual, contemporaneidade, visão de futuro que deve somar, jamais ocultar. Uma adição, uma justaposição, marca um novo tempo, uma nova etapa, desta Estação que nasceu Pedro II, e foi rebatizada em 1889 como Estrada de Ferro Central do Brasil. Se reinventou em 1937 com uma nova arquitetura transpirando modernidade à época. A Central do Brasil, tal como a conhecemos, e à qual se foram somando intervenções pontuais que não diminuíram o seu brilho, o seu significado, mas que certamente ocultaram nuances, que serão agora reveladas, para alguns com sabor de debutante.
Assim, em síntese, relacionamos alguns destes pontos mais relevantes, que o projeto busca materializar.
A nova intervenção arquitetônica trata fundamentalmente de uma questão operacional/comercial, atrelada à questão primeira que é a de recuperar o bem imóvel existente.
Nesta perspectiva, a aquisição de novas e modernas composições de trens prestes a entrar em operação, vem de encontro à intenção firme de se reformar e adequar as estruturas imóveis das estações existentes. E é neste cenário que a intervenção na Estação Central do Brasil tem seu emblema maior e mais significativo, reforçado pelo momento especial vivido pela cidade do Rio de Janeiro após a Copa do Mundo em 2014 e aguardando as Olimpíadas em 2016. Mais do que uma contribuição ao legado proporcionado por estes grandes eventos, é tempo de responder à população, aos utentes, ávidos por renovação, atrelada a uma maior eficácia em todos os quesitos.
Novo saguão de embarque/desembarque e gare
A ação, meramente de caráter operacional, corresponde ao recuo em vinte e cinco metros das linhas de trilhos dos trens e consequentemente das plataformas de embarque e desembarque. Este afastamento em relação à Gare original possibilitará um desafogo nos fluxos de acessos, com o aumento significativo do número de catracas para ingresso e também para saída. Deste modo, serão reduzidas substancialmente as filas para embarque nos horários de pico, bem como se tornará muitíssimo mais fluida a circulação de pedestres oriundos dos trens.
Este novo saguão de embarque eliminará os atuais obstáculos de piso, em rampas sucessivas sobre as atuais rampas de acesso ao subsolo. Estas rampas de acesso, muito estreitas e de percurso sinuoso, da área paga para o subsolo, serão substituídas por uma nova escada com largura franca para escoamento, e conjunto de novas escadas laterais complementares, além de grupos de elevadores para usuários com necessidades especiais. Esta mesma escada proposta contribuirá para maior fluidez de acesso a partir do subsolo até o ultimo pavimento do centro comercial.
Os acessos atuais, resultado de sucessivas adaptações, interferem geometricamente na largura efetiva das plataformas em que desembocam, e tem configuração de rampas fora dos padrões ideais. Com este conjunto ora proposto, o subsolo reassumirá importante papel no que respeita ao ingresso dos utentes, bem como no escoamento, em especial nos momentos de pico.
A ampla plataforma de acesso será coberta por uma estrutura composta de alumínio, ferro e vidro, com características que contribuirão para um eficiente comportamento termoacústico, bem como proteção contra raios ultravioleta. Permitirá, a partir do interior, vislumbrar o Edifício e Torre da Central do Brasil. Esta perspectiva atualmente não é possível, em função dos elementos arquitetônicos que desfiguram a composição original.
À semelhança dos dois módulos arquitetônicos que abrigam os conjuntos de novas escadas e elevadores, foram projetados outros quatro, que abrigarão comércio e outros serviços de apoio aos usuários, e conjuntos de quiosques estrategicamente implantados, de forma a não prejudicar os fluxos de pedestres. Deste modo, unificam-se e limitam-se as unidades de comércio atualmente dispersas.
No conjunto destas ações ordenadoras, as bilheterias serão relocadas, livrando a frente de acesso à plataforma de trens e deixando em destaque o conjunto de pilares, vindo a serem posicionadas em locais também estratégicos, mais dispersos, de acordo com o conceito inicial. Desta forma, pretende-se diluir significativamente eventuais filas.
O segundo conjunto de ações, absolutamente indissociáveis das já descritas, diz respeito fundamentalmente ao restauro, num sentido amplo: não apenas de elementos físicos, mas sim da estrutural funcional, revisitando acessos, percursos, usos e ocupações, valorizando espaços ora desprestigiados, como a Agência Bancária em posição estratégica, as bilheterias reposicionadas e a Capela.
Em primeiro momento a pesquisa revelou as características algo “sui generis” da ocupação atual, revelando rotinas e apropriações abusivas, com implantações de elementos físicos aderidos à estrutura física original, escondendo ou alterando significativamente, para pior, o conjunto. O projeto permitirá que sejam criadas estruturas físicas absolutamente dissociadas do Edifício existente, permitindo esta ação enérgica e ampla de retirada, e recomposição da geometria do edifício à luz da configuração original, quando da sua execução. Esta ação está perfeitamente documentada e é compreensível nas peças desenhadas, em anexo.
O Centro Comercial
O projeto do centro comercial prevê a construção, sobre as plataformas, de 2 (dois) pavimentos, que não deverão exceder a altura máxima de 23 metros de altura (a mesma altura da cobertura da Gare).
Esta primeira laje deverá estar a 8 metros de altura em relação ao nível das plataformas, de forma a garantir uma amplitude visual que condiz com a magnitude de toda a estação. Esta cobertura estará suportada por pilares localizados ao centro das plataformas, eliminando-se os indesejáveis atuais pilares que sustentam a cobertura de telha, e que hoje atrapalham o acesso às composições. Esses pilares, desenhados com esmero, deverão ainda suportar um conjunto de cabos técnicos, sinalização e iluminação monumental.
O primeiro pavimento do centro comercial funcionará como um “conector” entre os diversos modais da região, pois promoverá acesso franco no sentido norte/sul, ligando os terminais rodoviários (Américo Fontenelle, e Procópio Ferreira), além da futura estação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). No sentido leste/oeste, um conjunto de escadas rolantes e elevadores, projetados no novo saguão de embarque, permitem o acesso aos trens. Desta forma, o centro comercial contribuirá para, efetivamente, transformar a estação Central do Brasil em uma estação intermodal, garantindo uma melhor distribuição de fluxo e passageiros.
O segundo pavimento do centro comercial, de caráter exclusivamente comercial, complementa um conjunto de atividades e serviços inerentes aos centros comercias atuais. Um ponto a destacar é o posicionamento da praça de alimentação “projetada”, literalmente, no pátio D.Pedro, descortinando uma visada impar do conjunto arquitetônico/paisagístico, ora apenas visto por parte da torre e por equipamentos de voo.
O Hotel
Está inserido no contexto da renovação da estação a construção de um edifício destinado a hotelaria, contíguo ao edifício da RFFSA, na Av. Presidente Vargas – projeto este já analisado e aprovado pelo IPHAN.
Limitou-se seu gabarito pela altura máxima do edifício vizinho. O lobby elevado permite maior fluidez no acesso ao centro comercial e estações modais, e está, desta forma, interligado ao terraço do centro comercial, garantindo sinergia aos empreendimentos.
O projeto de reforma e reestruturação da Estação da Central do Brasil contempla duas vertentes que se fundem num só conceito/fundamento, que é o de perseguir como objetivo primeiro poder entregar à população do Rio de Janeiro e aos utentes em especial uma renovada Estação, com conforto e performance melhorados substancialmente, com modernidade, mas com profundo respeito pela história e tradição que esta particular Estação encerra.
Em resumo, pretende-se, com este conjunto de ações que o projeto perspectiva, seguir escrevendo a história da Estação Central do Brasil com uma nova página por registrar, sem esquecer as anteriores que falam do passado e da história, mas preparando para o futuro, com sustentabilidade, para as décadas próximas e para as gerações por vir. E das páginas passadas apagar o indesejável, as aposições que ferem o “texto” tal qual foi escrito, valorizando-o com enorme respeito.